Feminicídio de Estado, quando por ódio, deixa morrer
Por Carol Vergolino

O retrato da morte materna por Covid-19 no Brasil, reflete a sociedade misógina, racista e classista em que vivemos. Temos o terrível recorde de primeiro lugar, muito distante do segundo. A cada dez mortes maternas no mundo, oito são no Brasil, ou seja, morrem mais gestantes e puérperas no nosso país, do que no resto do mundo inteiro junto. Esses números são referentes a 2020, e agora em 2021 já estamos com o dobro de casos.
Cientistas feministas, através da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras, destacam que o que acontece é um Feminicídio de Estado. O que Mbembe chama de necropolítica, numa interseccionalidade entre os fatores de raça e de gênero: as elites dominantes do Brasil exercendo o poder de escolher quem vai morrer e quem vai viver. E quem morre, quase sempre, são as mulheres pretas e pobres. Um retrato cruel e devastador do nosso país.
Sim, Feminicídio de Estado. É um crime de ódio, quando deixa morrer. E deixa morrer quando sabemos que 40% dessas mulheres não tiveram acesso a leito de UTI, nem ventilação mecânica, 15 a 20% não tiveram nenhum suporte de oxigênio. Deixa morrer sem ar.
Deixa morrer quando fecha leitos de maternidade para Covid 19. Vejam, é previsível que haja aumento das mortes maternas porque o sistema está estrangulado e as gestantes e puérperas não tiveram a assistência adequada que necessitavam. Existem várias alterações das condições das pessoas gestantes que as tornam mais susceptíveis a infecções virais, alteração imunológicas, alterações do sistema cardiovascular, pulmonar, do sistema de coagulação, que aumentam o risco de morte. Então diminuir os leitos das maternidades jamais deveria ter sido sequer pensado, a lógica é justamente contrária. Se as grávidas podem adoecer mais, teriam que ter mais leitos.
Deixa morrer quando limita a oferta de métodos contraceptivos. Sabemos que 55% das gestações não são planejadas no Brasil. Obviamente, se essas mulheres tivessem acesso à informação, se houvesse debate e diálogo sobre direitos sexuais e reprodutivos nas escolas para evitar gravidez precoce, se fosse simples chegar no posto e colocar um Diu, por exemplo, muitas mortes poderiam ser evitadas. Aí novamente a classe e a raça negritam o tanto do abismo social em que este nosso país se encontra.
Deixa morrer quando fecha centros especializados, quando não garante o pré-natal de qualidade, quando não realiza ampla testagem, quando não distribui máscaras N95 para todas as pessoas em ciclo gravídico puerperal.
Por derradeiro, deixa morrer quando sequer cita as grávidas e puérperas no Plano Nacional de Imunização. Após muita luta do movimento feminista, das cientistas e parlamentares feministas, as grávidas e puérperas foram inclusas na fase 1 e na fase 2 do PNI. Incluídas ainda de forma insuficiente, pois na fase 1 entrariam as com comorbidades, quando, concretamente, estar grávida, em si, já seria uma comorbidade para a Covid-19.
É Feminicídio de Estado, quando o presidente não compra vacinas. Não é incompetência, é desejo de morte. O plano é deliberado e a morte materna explicita todo o machismo de Bolsonaro e sua corja. Sempre foi sobre o domínio dos nossos corpos. Estamos perdendo muitas de nós, deixando uma legião de filhos órfãos e avós sobrecarregadas. Mas não vamos descansar porque aqui e aí dentro há sempre essa força estranha. Como diz a canção, uma força estranha que nos leva a cantar, que nos leva a lutar para que todas possam preparar outras pessoas com saúde.
Sugestão de fontes de informação
Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras
Blog da Melânia
Observatório Obstétrico
Muito boa análise, @Carol Vergolino.
Nos tempos mais difíceis, o país intensifica o patriarcalismo, o racismo e classismo. E dá nessa situação que envergonham edótica demais.
Abraço forte, feminista, socialista.
Parabéns pela coluna, muito bom o artigo.